domingo, 13 de agosto de 2017

4º Reich - Conto

  Joel acorda com o rádio relógio tocando a fanfarra governamental. Pensou em desligá-lo, mas seria impossível: o rádio do governo não possuía botão liga/desliga, o máximo que poderia ser feito era abaixar o volume. Destruí-lo era uma opção, mas constituía violação grave da Lei alemã para países agregados e, apesar de estar na França, não desobedeceria uma ordem direta correndo o risco de ir parar em um campo de trabalhos forçados. O locutor iniciava as notícias, com um tom de voz incompativelmente alegre e bem humorado:
  "Hoje é 20 de Abril de 1979, um dia de extrema importância para o povo alemão e agregados! É o aniversário do Fuher, nosso senhor e soberano, que no alto de seus 90 anos goza da melhor das saúdes!"
  Não era verdade, sabia. Havia ouvido falar que Hitler definhava no Hospital da Chancellaria em Berlim, mantido por aparelhos enquanto definiam um novo líder. Falar sobre esses boatos era expressamente proibido. O rádio continuava falando sobre as qualidades do ditador e a parada militar que ocorreria mais tarde enquanto Joel vestia suas roupas e preparava uma xícara de café. Pela janela, o céu cinzento se misturava aos edifícios velhos e desgastados de Paris, a alta industrialização e fábricas implantadas ali há anos atrás haviam causado aquele cenário triste.. O locutor continua:
  "Hoje os Estados Unidos deram os primeiros passos da política de boas relações com a Alemanha. O comércio entre as nações se baseará na exportação de commodities e..." Chega de ouvir, estava atrasado. Pegou a malinha e desceu apressado as escadas do velho prédio.
  Na rua, a avenida principal da cidade exibia uma suástica nazista brilhosa em um imenso outdoor digital, suspenso no prédio da prefeitura. Joel já havia ouvido falar de um tempo onde nada daquilo existia, o país era livre e as pessoas podiam fazer o que quisessem, mas não havia conhecido outra realidade que não fosse aquela, havia nascido durante a ditadura.
  Chegou enfim à fila da ração diária, se desse sorte conseguiria uma banana além da lata de pasta nutritiva padrão. Em volta do povo que esperava, um soldado gritava "-Mantenham-se em fila! Furos na ordem e agressividade não serão toleradas! Mantenham suas identidades e cartão de alimentação em mãos!"
  Joel esperava, olhava para frente e ao mesmo tempo para o nada.. Foi quando uma borboleta chamou sua atenção, uma borboleta... Achava que era impossível encontrá-las nas cidades mas ela estava ali: bela, delicada e azul.. Maravilhosamente azul. Ele levantou o indicador, no qual ela pousou, e abriu um sorriso enorme, que duraria pelo resto de sua vida.


sábado, 12 de agosto de 2017

A chegada - Conto

  Era uma manhã friorenta de Setembro em Londres e enquanto Sr. Walker preparava seu café, olhava pela janela a quantidade de névoa que se acumulava nas ruas. "-Que umidade será essa? Mal dá pra ver a outra calçada..." Estranho. Ajeitou a gravata borboleta, o chapéu de coco, deu uma olhada rápida em seu relógio de corda (presente do vovô) que tic-taqueava furiosamente e saiu para trabalhar. (7:45)
  Poças de chuva se acumulavam pelo passeio, na noite anterior houvera chovido, mas não se importava com os respingos em seus sapatos de couro Italiano quando pisava nelas. Do outro lado da rua um garoto de suspensório e boina gritava: "-Extra, extra!! A Alemanha invade a Polônia! A guerra está declarada!" Walker dá uma moeda a ele e leva o jornal debaixo do braço. Aquela névoa era realmente muito estranha, mal se podia ver dois metros a sua frente, tudo se resumia à aquela cerração branca, etérea. A frente, dois carros bateram devido as más condições de visualização e enquanto os motoristas discutiam pensava no quanto automóveis eram cada vez mais comuns nas ruas, "Nada pode parar o progresso!" pensa. Parando para refletir aquela realmente era uma época incrível: carros, indústrias, aviões, eletricidade! O avanço tecnológico, a era das luzes, ninguém poderia parar o homem!! Sorri, apesar daquela neblina estar o deixando inexplicavelmente incomodado. (7:55)
  Foi quando estava a apenas algumas quadras de seu trabalho que começou o som. Alto, estridente: uma sirene saindo dos auto falantes da cidade. Ele pára, olha para os céus "Um bombardeio, só pode ser!" é o que pensa. Todas as outras pessoas também se encontravam paradas na rua, olhando para o céu tentando ver aviões ou bombas (atitude inútil, aquela névoa não mostraria nada). Seriam os alemães? A Inglaterra não estivera mantendo boas relações com eles nos últimos tempos, mas um ataque assim, do nada? Era o mais provável, apesar de improvável. (8:02)
  A sirene reverberava, altíssima, os pedestres apressavam o passo a procura de abrigo, a qualquer momento explosões poderiam acontecer e ficar na rua não seria uma boa ideia. Dando uma corridinha, está quase alcançando o prédio de seu trabalho (onde poderia se esconder) quando pára, congelado de medo: um rugido assustador, extremamente alto, capaz de abafar totalmente a sirene, vindo do mar, ecoa pelas ruas. Silêncio. Exceto pela sirene não se ouve um pio, todos estão perplexos olhando uns para os outros. O que seria aquilo? Não conhecia nenhum ser capaz de emitir tal som gutural. Lembrava uma baleia mas... uma baleia não conseguiria emitir um uivo tão alto. (8:05)
  Seja o que fosse estava no mar, na esquina dali havia uma rua que dava em uma ladeira para o porto, de onde poderia ter uma boa visão. Ele e todos os outros pedestres vão para lá e logo percebem que há algo estranho se movendo entre as águas.. Devido à neblina não é possível ver com clareza, é apenas uma sombra cinzenta, o problema é que essa sombra é grande, grande demais.. Colossal para falar a verdade, e estava se movendo. Seria um Zepelin? Não, um Zepelin era demasiado pequeno se comparado à sombra. Dois então? Não, mesmo dois pareceriam ter o tamanho de balões de festa perto daquilo. Walker não sabe bem o porquê mas se lembra do filme King Kong, no qual um gorila gigante vindo de um local longínquo invade uma cidade, aterrorizando seus moradores. O pior de se pensar nisso era saber que o King Kong pareceria um anão perto daquele vulto que se movia. (8:11)
  Aos poucos a névoa se dissipou e então o horror... A sombra colossal, antes indistinta, lentamente se definia e demonstrava ter forma humana, ou quase isso: possuia dois braços do tamanho de arranha-céus, pernas gigantescas, asas e o que parecia uma cabeça, de onde saiam terríveis partes em movimento. Inexplicável, aterrorador.  A sirene parecia acentuar sua loucura. (8:17)
  Pedestres corriam, gritavam, mas Walker não se movia. Um cheiro nauseante de fezes começou a sair de suas calças. A visão do ser era aterrorizante e enlouquecedora, mas ao mesmo tempo hipnótica. Sentia a sanidade escorrer de seu cérebro para sempre, pelo resto de sua curta vida a partir dali. O velho burocrata jamais gozaria novamente de lucidez. A criatura urrou novamente, destroyers no mar atiravam contra ela com suas armas anti-aéreas mas parecia ser em vão: nenhuma arma de fogo parecia ter poder de parar aquele monstro colossal, cósmico, destruidor... Nada poderia detê-lo, nada terreno, celestial ou infernal.. Ele veio do mar e levaria consigo toda a humanidade... Walker assistia o início do fim e sabia muito bem disso... Muito bem... Loucura... Morte...
  O velho burocrata sabia que sua mente nunca mais seria a mesma, mas quando viu os tentáculos qualquer senso de humanidade que lhe restara foi embora, para nunca mais voltar... (∞)

                         "Ph'nglui mglw'nafh Cthulhu R'lyeh wgah'naql fhtagn"



Obs: Este conto foi baseado no Mito de Cthulhu, de autoria de H.P. Lovecraft, um dos meus autores preferidos. Nem preciso dizer que recomendo pra caralho a leitura né?