Joel acorda com o rádio relógio tocando a fanfarra governamental. Pensou em desligá-lo, mas seria impossível: o rádio do governo não possuía botão liga/desliga, o máximo que poderia ser feito era abaixar o volume. Destruí-lo era uma opção, mas constituía violação grave da Lei alemã para países agregados e, apesar de estar na França, não desobedeceria uma ordem direta correndo o risco de ir parar em um campo de trabalhos forçados. O locutor iniciava as notícias, com um tom de voz incompativelmente alegre e bem humorado:
"Hoje é 20 de Abril de 1979, um dia de extrema importância para o povo alemão e agregados! É o aniversário do Fuher, nosso senhor e soberano, que no alto de seus 90 anos goza da melhor das saúdes!"
Não era verdade, sabia. Havia ouvido falar que Hitler definhava no Hospital da Chancellaria em Berlim, mantido por aparelhos enquanto definiam um novo líder. Falar sobre esses boatos era expressamente proibido. O rádio continuava falando sobre as qualidades do ditador e a parada militar que ocorreria mais tarde enquanto Joel vestia suas roupas e preparava uma xícara de café. Pela janela, o céu cinzento se misturava aos edifícios velhos e desgastados de Paris, a alta industrialização e fábricas implantadas ali há anos atrás haviam causado aquele cenário triste.. O locutor continua:
"Hoje os Estados Unidos deram os primeiros passos da política de boas relações com a Alemanha. O comércio entre as nações se baseará na exportação de commodities e..." Chega de ouvir, estava atrasado. Pegou a malinha e desceu apressado as escadas do velho prédio.
Na rua, a avenida principal da cidade exibia uma suástica nazista brilhosa em um imenso outdoor digital, suspenso no prédio da prefeitura. Joel já havia ouvido falar de um tempo onde nada daquilo existia, o país era livre e as pessoas podiam fazer o que quisessem, mas não havia conhecido outra realidade que não fosse aquela, havia nascido durante a ditadura.
Chegou enfim à fila da ração diária, se desse sorte conseguiria uma banana além da lata de pasta nutritiva padrão. Em volta do povo que esperava, um soldado gritava "-Mantenham-se em fila! Furos na ordem e agressividade não serão toleradas! Mantenham suas identidades e cartão de alimentação em mãos!"
Joel esperava, olhava para frente e ao mesmo tempo para o nada.. Foi quando uma borboleta chamou sua atenção, uma borboleta... Achava que era impossível encontrá-las nas cidades mas ela estava ali: bela, delicada e azul.. Maravilhosamente azul. Ele levantou o indicador, no qual ela pousou, e abriu um sorriso enorme, que duraria pelo resto de sua vida.
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